A denúncia contra o médico Wesley Timana Yovera, conhecido nas redes sociais como “Doutor Cegonho”, acusado de causar lesões graves em uma mãe e no bebê durante o parto, reacendeu o debate sobre a violência obstétrica no Brasil. Mesmo com avanços na legislação e maior conscientização sobre os direitos das gestantes, essa forma de abuso continua presente em hospitais públicos e privados, muitas vezes de forma silenciosa, mascarada por práticas vistas como normais.
A psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, fundadora do Instituto MaterOnline, explica que é difícil reconhecer a violência obstétrica de imediato. Em muitos casos, a mulher só percebe o que viveu dias, meses ou até anos depois do parto.
“Intervenções como a aplicação da ocitocina sintética, conhecida como ‘sorinho’, para estimular contrações, e a realização de episiotomias sem evidências científicas de sua necessidade são frequentemente realizadas sem o consentimento informado da mulher”, pontua a especialista. Ela também alerta para a manobra de Kristeller, quando se pressiona a barriga da gestante para acelerar o parto. O procedimento pode causar danos físicos e emocionais graves, mas ainda é aceito como normal por falta de informação.
Mulheres negras são as principais vítimas
Estudos recentes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelam que 45% das mulheres entrevistadas relataram ter sofrido algum tipo de violência obstétrica. A pesquisa, que abrangeu mais de 24 mil mulheres em 465 maternidades no Brasil entre 2020 e 2023, revelou que as mulheres negras, com baixa escolaridade e usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), são as mais vulneráveis a essa prática. Schiavo ressalta que “as estatísticas mostram a necessidade urgente de maior conscientização e de políticas públicas eficazes”.
Alguns estados brasileiros, como Ceará, Distrito Federal e Pará, já implementaram leis para proteger as mulheres contra a violência obstétrica. Além disso, a Lei Nº 14.721, sancionada em novembro de 2023, ampliou a assistência à gestante e à mãe, garantindo apoio psicológico durante a gravidez, o parto e o pós-parto. De acordo com a psicóloga, “essa lei é um avanço importante porque oferece suporte psicológico para mulheres em um momento tão vulnerável. Mas ainda é essencial que as gestantes conheçam seus direitos para poderem identificar e denunciar qualquer forma de abuso”.
Como evitar ser vítima de violência obstétrica?
Conhecer os direitos de toda gestante é um detalhe importante para evitar a violência obstétrica. Segundo a psicóloga, embora seja importante manter um histórico claro das conversas e intervenções, toda paciente tem o direito de solicitar e acessar seu prontuário médico após o parto. Dessa forma, ela pode viver o momento do parto com tranquilidade, sabendo que poderá revisar o que aconteceu depois.
As pacientes também têm o direito de escolher quem as acompanha durante o parto. Também têm o direito de que os profissionais de saúde as informem sobre todos os procedimentos que realizarão e de recusar qualquer intervenção com a qual não se sintam confortáveis. Além disso, os profissionais devem oferecer alívio para a dor e tratá-las com respeito e dignidade durante todo o processo.
O que fazer se fui vítima?
O primeiro passo caso a paciente sinta que o médico agiu de forma negligente ou desrespeitosa durante o parto é falar com a equipe médica. Deixe claro que você não consente com aquele tratamento. Caso a situação não melhore, solicite a presença de um advogado ou faça um registro formal do ocorrido assim que possível.
Também é possível denunciar a violência obstétrica mesmo após o ocorrido. A vítima pode relatar o caso na ouvidoria do hospital, consultar um advogado especializado ou buscar ajuda em grupos de apoio. Em situações mais graves, a denúncia pode ser feita no Conselho Regional de Medicina ou na delegacia de polícia.
