A dificuldade de separar o tempo de trabalho do momento de descanso deixou de ser apenas um incômodo cotidiano e passou a ser reconhecida como um problema de saúde pública. De acordo com a psiquiatra Dra. Carla Vieira, do CAPS Infantojuvenil II M’Boi Mirim, unidade gerenciada pelo CEJAM (Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”) em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS-SP), manter o cérebro permanentemente em “modo trabalho” desencadeia uma série de consequências físicas e emocionais, que vão da insônia e irritabilidade até transtornos psiquiátricos graves.
Dados mostram cenário mental preocupante por conta do trabalho
O alerta chega em um cenário preocupante. Em 2024, o Brasil registrou mais de 440 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais e comportamentais, um aumento de quase 67% em relação a 2023, conforme dados do Ministério da Previdência Social.
Diagnósticos frequentes
Entre os diagnósticos mais frequentes estão: transtornos de ansiedade (141.414), episódios depressivos (113.604), transtorno depressivo recorrente (52.627) e transtorno afetivo bipolar (51.604). Também cresceram os afastamentos relacionados a álcool, drogas, estresse grave, transtornos de adaptação, esquizofrenia e transtornos de personalidade.
Ausência de pausas no trabalho contribuem para o stress
Segundo a especialista, a ausência de pausas mentais mantém o sistema nervoso simpático constantemente ativado, o mesmo responsável pela resposta de “luta ou fuga”. Isso eleva os níveis de cortisol e adrenalina e dificulta que o corpo volte ao estado de calma. “A sobrecarga constante pode favorecer o surgimento de ansiedade generalizada, depressão e até transtorno de estresse pós-traumático, afetando estruturas cerebrais como o hipocampo, ligado à memória e ao aprendizado, e a amígdala, responsável pelas emoções. O excesso de cortisol pode, inclusive, reduzir o volume dessas regiões, comprometendo a cognição e o equilíbrio emocional”, explica Vieira.
Impacto no desempenho
A falta de descanso também compromete a vida profissional. Sem pausas, a memória de curto prazo fica sobrecarregada, a criatividade diminui e a tomada de decisões se torna mais difícil. “É como tentar correr uma maratona sem beber água. O corpo não aguenta e o cérebro também não”, compara a especialista.
Estudos indicam que o cérebro precisa de 30 minutos a 1 hora após o expediente para desacelerar. Caminhadas, leitura, meditação e hobbies ajudam nesse processo, enquanto o excesso de telas atrapalha. “A luz azul inibe a produção de melatonina, hormônio do sono, e as notificações mantêm o cérebro em estado de vigilância”, destaca.
Como relaxar após o trabalho
Se o excesso de demandas e a falta de pausas favorecem o esgotamento, o movimento físico e pequenos rituais de transição podem ser grandes aliados na hora de “sair do modo trabalho”. A profissional de Educação Física Gleice Candido, do CER IV M’Boi Mirim, também gerenciado pelo CEJAM em parceria com a SMS-SP, explica que movimentar-se ativa a circulação, libera hormônios como endorfina e serotonina e auxilia na mudança do foco da atenção. “Isso quebra o ciclo mental do trabalho e abre espaço para o corpo entender que houve uma mudança de cenário: ‘agora posso relaxar’”, pontua.
Segundo ela, não é preciso muito esforço para colher benefícios. Alongamentos, respiração guiada ou uma caminhada leve já ativam o sistema nervoso parassimpático, responsável pelo relaxamento. Estudos mostram que 10 a 15 minutos de atividade leve já são suficientes para melhorar o humor, o sono, a concentração e a sensação de bem-estar. O segredo está na constância. Gleice sugere alguns rituais para sinalizar o fim do expediente como:
- Movimento leve, como alongar, caminhar ou respirar profundamente;
- Banho morno para relaxar os músculos;
- Redução do tempo de tela, evitando excesso de estímulos;
- Diminuir a iluminação do ambiente;
- Atividades prazerosas, como ler, ouvir música ou cozinhar.
“Esse conjunto de ações envia uma mensagem clara: ‘expediente encerrado, agora é meu tempo’. Ao repetir diariamente, o corpo passa a reconhecer o ritual como um gatilho para desacelerar, facilitando o sono e a recuperação mental”, reforça.
