Uma das grandes discussões atuais no Brasil é a descriminalização da maconha. O assunto gera controvérsias entre profissionais de diversas áreas. Na esfera jurídica, que envolve a segurança pública, e aspectos legais, há quem defenda e quem condene a legalização da erva. Na esfera social, a discussão aborda aspectos históricos, religiosos e éticos do uso e da proibição, e também há defensores e acusadores. Já na área da saúde, a discussão se concentra nos efeitos da erva sobre o organismo, independentemente de ser legal ou não, como acontece com outras drogas.
Nesse último caso, a controvérsia é bem menor: a maioria dos estudos aponta o consumo de entorpecentes como extremamente nocivo à saúde. O principal argumento dos defensores do uso livre da planta são pesquisas sobre as propriedades terapêuticas da Cannabis sativa, nome botânico da erva. No entanto, também há muitos argumentos contrários a esse sustentados por outras pesquisas científicas.
Cannabis “desativa”
Para a neurologia, área da ciência que estuda, entre muitas outras coisas, o funcionamento da memória, não há dúvidas sobre os prejuízos causados pelo abuso tanto dessa como de outras drogas, lícitas ou não. “A maconha tem efeitos negativos especialmente na memória curta, ou seja naquela que usamos para realizar tarefas do do dia a dia. O indivíduo passa a ter dificuldade de concentração e não consegue realizar tarefas simples. Por exemplo, se está lendo algo, acaba de ler e não se lembra, ou ouve alguma coisa e, no momento seguinte, não sabe o que lhe foi falado”, explica o neurologista Rodrigo Schultz. Quando o usuário é eventual, os efeitos são potencializados, entretanto, passado o efeito da droga, a tendência é o cérebro voltar a seu funcionamento normal.
Por outro lado, o uso continuado causa danos permanentes ao cérebro. “O usuário crônico desenvolve problemas cognitivos, ou seja, de aprendizado, já que há maior dificuldade no armazenamento de informações. Quando se trata de memória, fala-se muito em acetilcolina, um neurotransmissor que tem função importante no mecanismo de registro de informações, e a maconha afeta todo o sistema de ação dos neurotransmissores. Ela prejudica tanto essas estruturas como os neurônios. Além disso, provoca a morte celular e acentua sua atrofia. O usuário crônico de drogas não tem o peso do cérebro igual ao de um indivíduo que não usa. A massa cerebral vai sendo reduzida ao longo do tempo”, destaca o neurologista.
Benefícios duvidosos
Os defensores da legalização da maconha argumentam que a erva tem diversas propriedades medicinais benéficas. O princípio ativo da droga é uma substância chamada d-9-tetrahidrocannabinol (THC), que seria eficaz no combate a problemas como: náuseas causadas por tratamentos quimioterápicos, dores crônicas, asma bronquial, glaucoma, epilepsia, falta de apetite e outros. Vários trabalhos científicos, porém, colocam em xeque as vantagens de tais propriedades, uma vez que há fármacos muito mais eficazes para tratar os mesmos problemas e sem tantos riscos, já que o uso do entorpecente está associado até a alguns tipos de tumores. Além disso, muitas dessas vantagens terapêuticas alegadas não foram suficientemente estudadas, ao contrário dos efeitos negativos.
Euforia ilusória
A cocaína é outra droga que pode comprometer a memória de maneira definitiva. Com efeito contrário ao da maconha (que seria relaxante), a cocaína age ainda mais diretamente no sistema nervoso central e, de início, leva o usuário a um estado de euforia, bom humor elevado e aumento acentuado da autoestima. Enfim, faz a pessoa se sentir ativa, talvez como nunca antes. Isso acontece porque a droga aumenta a liberação e prolonga o tempo de atuação de substâncias como dopamina, noradrenalina e serotonina, neurotransmissores bastante atuantes no cérebro e associados a comportamentos gratificantes.
No entanto, com o uso crônico, esses efeitos dificilmente se mantêm, e são necessárias doses cada vez maiores para consegui-los. Assim, os danos causados pela droga vão sendo acentuados. Além disso, o cérebro passa a depender da presença de cocaína para voltar a produzir dopamina e o usuário só consegue se sentir bem ao consumi-la. A longo prazo, o uso continuado de cocaína tem consequências devastadoras, levando frequentemente o usuário a quadros de depressão, ansiedade, irritabilidade, distúrbios do humor, paranoia (mania de perseguição), além de se tornar agressivo e sofrer delírios e alucinações. E o pior: passa a viver apenas para usar a droga e, em geral, destrói todo tipo de relacionamento social que tinha antes de se viciar.
Texto: David Cintra
Consultoria: Rodrigo Schultz, neurologista
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