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Em conversa com o Alto Astral, a artista falou sobre inspiração, aceitação e a importância de pautas LGBTQIA+ no mundo da música
A artista levanta pautas como LGBTQIA+, feminismo e gordofobia em sua música. - Instagram (@mairagarridoo)/ Divulgação

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"Tudo o que eu sou se mescla muito com o meu trabalho", afirma a cantora Maíra Garrido

Em conversa com o Alto Astral, a artista falou sobre inspiração, aceitação e a importância de pautas LGBTQIA+ no mundo da música

"Eu me levanto e 100 mil me ouvirão/ Eu me levanto pra formar meu batalhão/ A guerreira que me habita saúda a tua guerreira/ Eu sei que é pesado hastear essa bandeira/ Só a gente sabe que viver não é brincadeira/ Quando o tempo todo nos tratam dessa maneira/ Mana é complicado, mas o mundo é muito errado/ Esperar empatia parece até inadequado/ Eu já tô cansada de respirar esse ar abafado/ Mas eu sei que sou mais forte se você tá do meu lado"

São com esses versos que a música Funk das Minas, da brasileira Maíra Garrido, se inicia. A faixa passou a fazer parte da playlist editorial Queer Brasil, da Deezer Brasil, no início de junho e, apesar de ter sido criada em 2017, é um grito de guerra para o momento, como ela mesma aponta.

Com uma voz doce e batidas suaves de MPB, a carioca acredita que o artista se manifesta de acordo com a época em que vive. Dessa forma, ela faz questão de levantar diversas pautas pessoais em sua música, como feminismo, gordofobia e direitos LGBTQIA+.  

Fortemente inspirada pela avó e pela mãe, Garrido atribui, principalmente, a essas duas mulheres sua garra. "Elas me deram de presente o ímpeto de fazer o que considero certo, a ligação com a minha intuição, e a certeza que eu sou capaz de me reinventar sempre, só de terem vivido suas vidas dessa mesma forma", ela comenta.

Aos 30 anos, além de cantora, ela é atriz, compositora, instrumentista, professora e preparadora vocal, e tem conquistado cada vez mais seu espaço na cena musical brasileira.

O lançamento mais recente da artista, Te Cantar, foi ao ar na última sexta (25) e é uma ode à sua noiva, Yasmin Lima. Provavelmente, você já ouviu a expressão "cantar sorrindo". Pois é exatamente assim que Garrido soa em cada um dos versos da canção, que aborda a importância de casais de mulheres serem vistos como famílias reais, com vivências igualmente importantes a de todos os outros casais.

Vale mencionar ainda que, de modo geral, a música de Maíra Garrido é intensa e carrega quem ela é em sua essência. Quando questionada sobre o que é, para ela, o amor, Garrido afirmou que é a força que move o Universo. "O amor é a maior potência do Universo. É o que une o discurso de todos os messias, santos e gurus, e isso não é à toa. O amor não é nem um sentimento, é uma energia, quase uma entidade", ela diz.

Assim, saiba que as letras fortes e cheias de significado na composição da cantora não são por acaso. Conheça mais sobre o trabalho inspirador da artista através do seu bate-papo exclusivo com o Alto Astral!

AA: Como você começou na música?

MG: Eu nasci numa família extremamente musical. Minha mãe cantava na noite (sic.) e, embora não tenha seguido carreira, sempre me incentivou nas artes em geral - sempre fiz aula de instrumentos, dança e teatro. Participei por muitos anos do coral do colégio, e a partir dos 14, 15 anos comecei a cantar num coro semi profissional chamado Cia. Bachiana Brasileira com o qual eu me apresentei em diversas salas pelo estado do Rio de Janeiro, como o Teatro Municipal e a Sala Cecília Meirelles. 

No meu terceiro ano do ensino médio, prestei vestibular para Música (bacharelado em Canto Lírico) e Engenharia. Passei nos dois, mas, minha mãe, responsável pela minha matrícula, não me matriculou em engenharia porque, segundo ela, eu não seria feliz sendo engenheira. Acho que nunca vou saber se teria sido uma engenheira feliz, mas certamente sou muito realizada sendo musicista formada pela UNIRIO.

AA: Até agora, qual foi o momento mais desafiador da sua trajetória?

MG: Ser artista no Brasil. Brincadeira, mas nem tanto! Ser artista no Brasil é bastante desafiador, ainda mais eu sendo uma pessoa fora do padrão. Mas se eu tivesse que eleger um único momento, diria que foi a gravação do clipe da minha música Meu Próprio Deus, que ocorreu exatamente 14 dias após o falecimento da minha avó, a quem eu era muito ligada. Ela passou por 54 dias de internação com um quadro muito instável, mas ainda tínhamos (família e médicos) a esperança de que ela poderia sair dessa. A notícia de que ela havia morrido chegou no mesmo dia em que eu estava fazendo visita de locação com a equipe, com todos os equipamentos e cronograma alinhados. Eu ainda consegui adiar a gravação em uma semana, mas mais que isso resultaria em prejuízo para todes, então segurei firme e fui gravar. Foram dois dias de gravação das 20h às 5h da manhã, e depois eu não conseguia dormir, chorava o dia inteiro e colocava compressa de gelo nos olhos pra desinchar e ir gravar. Uma grande loucura, porque eu também ainda não tenho uma equipe enorme, então muito da produção era eu mesma que estava fazendo - ir ao mercado, fazer almoço, buscar equipamentos, etc. Eu passava o dia resolvendo problemas e chorando e tentando manter toda a equipe unida e motivada - uma pessoa chegou a abandonar o set - e depois tinha que estar pronta para aparentar potente, firme, confiante, "meu próprio deus" em cena. Foi uma gravação bem difícil.

AA: Ser LGBTQIA+ influencia sua música, seu trabalho? 

MG: Totalmente. Isso porque tudo o que eu sou se mescla muito com o meu trabalho, eu não consigo deixar de lado. Quando eu escrevo, eu falo das minhas percepções sobre as mais variadas coisas no mundo. Coisas que são mais sofridas, coisas que são mais leves. Todas as minhas vivências vão acabar tendo o filtro de uma pessoa LGBT, com certos traumas e cicatrizes que podem não doer mais, mas moldam a forma como eu recebo e entendo as coisas. 

AA: Na sua visão, como a música pode contribuir para a discussão de pautas sobre gordofobia e LGBTfobia?

MG: Música é a forma de arte humana mais primitiva que existe, né? A gente faz música o tempo todo, só o pulsar do nosso coração já é ritmo e isso é lindo demais. Eu digo isso porque a música tem um potencial democrático e de união absurdo. Por exemplo, num karaokê, na Lapa, se começar a tocar Evidências vai todo mundo começar a cantar junto e ninguém vai se importar muito com o resto. Outro exemplo é: quantas vezes você já se pegou cantarolando uma letra que você não tinha nunca parado para prestar atenção e, quando você vê, o significado é algo que te leva a uma grande reflexão sobre uma gama de coisas? Acho que é aí que a gente pode hackear o sistema, sabe? Em termos de diversidade de corpos cantantes, letras, melodias e técnicas.

AA: Quem são os artistas brasileiros que, para você, de fato fazem a diferença na cena musical? Por quê?

MG: Liniker, Emicida, As Baías, Simone Mazzer, Gloria Groove, Letrux, Doralyce, Juliana Linhares, Mc Carol de Niterói... Sem contar Gil, Elza, Caetano, Bethânia, Chico César e tantos outros consagrados que não se permitiram adormecer. São muitos - e que bom. 

Me alegra acompanhar a trajetória dos artistas que se posicionam porque eu acho que a gente, quando é artista, tem essa responsabilidade social, de gerar movimento, de documentar a história (até porque o brasileiro está com a memória curtinha), de gerar representatividade. Esses artistas que eu listei, e muitos outros, têm um compromisso expresso com a verdade e também com a entrega de um trabalho musicalmente qualitativo, reescrevendo a MPB para os parâmetros cabíveis em 2021. 

AA: Você acha que, de alguma forma, a música te ajudou no processo de aceitação do seu corpo?

MG: Nunca tinha parado pra pensar nisso exatamente. Mas consigo ter dois olhares sobre essa questão: o primeiro é que cantar sempre foi uma coisa que eu amei muito fazer e sempre chamei atenção por isso. Então, de certa forma, ser cantora me ajudou, sim, a encarar o fato de que eu estaria no palco com frequência, e teria que me expressar via voz e corpo, e enquanto eu não estive em paz com quem eu sou inteira, eu não conseguia nem cantar direito, uma viagem bem doida (sic.)

Por outro lado, a indústria da música não me ajudou em nada - e ainda não ajuda. Se você for olhar agora, as 10 artistas mulheres mais tocadas em 2020, no mundo*, serão 10 mulheres muito magras e, em sua maioria, brancas, gerando a sensação inevitável de não pertencimento nesse mercado. Quem fez essa pesquisa foi a produtora musical das últimas três músicas que eu lancei, a Nelí, que também é uma mulher gorda, e ela ainda adiciona mais uma camada a esse debate que torna tudo ainda mais delicado, porque ela também é mãe, então a representatividade nesse caso chega a quase zero.

AA: Qual sua dica e/ou conselho para quem está nesse processo de autoaceitação?

MG: Eu sou uma pessoa bastante racional, então sempre que eu entro em conflito com qualquer coisa relativa à minha personalidade ou meu corpo, eu busco lembrar que tem algum homem hétero cis branco que, no fim do dia, se beneficia muito da minha insatisfação. Lá no topo da cadeia de opressão tem alguém muito rico que não está nem aí para as nossas reais dores. Depois que eu lembro disso, eu procuro entender intimamente quais das minhas questões são realmente minhas e quais são questões vindas de fora e que eu tomo pra mim. No fim do dia, o padrão de beleza é mais uma ferramenta de opressão e, acima de qualquer coisa, uma criação, o que significa que podemos reinventá-lo conforme nos contemple melhor. 

AA: Quais são os planos para o futuro?

MG: Agora, no segundo semestre de 2021, eu vou lançar meu primeiro álbum, com 5 faixas inéditas que também vai ser um EP visual. Esse EP será totalmente voltado para representar a comunidade LGBT e as músicas contam um pouco da minha trajetória para o autoamor, falando desde a minha própria relação com a minha pansexualidade, abordando términos, relações abusivas - até porque precisamos muito falar disso no universo lésbico -, e a força da união da nossa comunidade. Eu estou muito empolgada! Mal posso esperar para que todes possam ouvir! O EP tem um feat com uma cantora lésbica por quem eu tenho imenso carinho e admiração, e a parte visual também está em andamento para a estreia no ano que vem.

*De acordo com o ranking feito pelo Spotify, as 10 artistas mulheres mais ouvidas, em 2020, foram: Ariana Grande, Billie Eilish, Lady Gaga, Halsey, Dua Lipa, Taylor Swift, Rihanna, Selena Gomez e Nicki Minaj.

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