Um estudo australiano publicado na revista médica Jama Pediatrics mostrou que quanto maior o tempo de exposição da criança às telas, menos ela conversa e interage com os pais, o que causa impacto negativo no desenvolvimento da fala e linguagem infantil.
Para chegar ao resultado, os pesquisadores selecionaram 220 famílias com filhos na faixa de 1 ano de idade, que foram acompanhados até completarem 3 anos. A cada seis meses as crianças passavam um dia usando um dispositivo de reconhecimento de fala que capta sons ambientes e registra o número de palavras ditas pelos adultos, vocalizações emitidas pelas crianças e as conversas entre eles.
No início da pesquisa, o tempo de exposição às telas era de cerca de uma hora e meia por dia, mas com o passar dos anos foi aumentando gradativamente até chegar a quase três horas. Embora a quantidade de palavras e interações tenha aumentado no período, houve uma associação negativa entre o tempo diante das telas e as conversas.
Impacto no desenvolvimento infantil
De acordo com a psicopedagoga do Espaço Zune, Patrícia Martins Sahb, “a interação com os pais é fundamental para que a criança se desenvolva adequadamente, aumente seu vocabulário e crie laços emocionais, que são importantes para a socialização e o desenvolvimento intelectual, de linguagem e de aprendizado”.
A profissional explica que tudo em excesso é prejudicial e com as telas não é diferente. Para crianças pequenas, como mostrou o estudo, o principal prejuízo é a falta de interação e socialização da criança. “A criança passa a não se comunicar verbalmente, se torna agressiva e dá birras quando a tela é tirada dela porque estar sem estímulo gera desconforto. Isso é frequentemente confundido com o Transtorno Opositor Desafiador (TOD), mas em muitos casos, a causa desse comportamento é o uso excessivo de telas”, pontua.
No caso de crianças maiores, que já frequentam a escola, os prejuízos aparecem também na socialização, já que a criança que não consegue se expressar ou ser compreendida, se frustra e se isola. Nesses casos, os pais devem buscar ajuda de neuropediatra para tentar o fechamento de um diagnóstico com exames e encaminhamento para psicólogos, psiquiatras e psicopedagogos.
“É um trabalho em equipe da família e da escola para perceber os sinais e buscar ajuda. Os profissionais vão trabalhar para tratar a ansiedade gerada pela quantidade excessiva de estímulos que as crianças têm, junto com a obsessão pelas telas. Nós, psicopedagogos, temos como foco trabalhar na defasagem da aprendizagem porque existe impacto cognitivo e, automaticamente, atraso na aprendizagem. Então, focamos em estímulos corretos para que a criança possa recuperar o que perdeu por causa dos estímulos incorretos”, frisa Patrícia.
Impactos no relacionamento entre pais e filhos
Muitos estudos já mostram que o uso excessivo de telas pelos pais também causa um distanciamento dos filhos e prejudica a conexão emocional com eles, deixando-os menos responsivos e atentos, o que impacta a comunicação verbal e não verbal. O uso dos aparelhos pelas crianças cria gatilhos de imediatismo, ligado ao consumo de conteúdos rápidos e superficiais.
“Quando os filhos estão com os pais eles querem presença integral. Eles iniciam brincadeiras e logo os pais estão em telas, trabalhando ou vendo vídeos. O prejuízo disso é tanto na conexão com a criança como também no risco de o conteúdo ter imagens ou linguagem inapropriadas para as crianças que estão perto dos pais”, diz a psicopedagoga.
Segundo a especialista, muitos pais ainda não estão atentos para os impactos do uso excessivo de telas, mas precisam começar a perceber as mudanças no comportamento dos filhos, principalmente quanto à irritabilidade e ao isolamento.
“O Governo Federal está trabalhando no Guia para Uso Consciente de Telas por Crianças e Adolescentes e esse é um passo muito importante, mas cabe aos pais buscarem maneiras de estimular o desenvolvimento das crianças longe das telas”, afirma Patrícia.
Alguns exemplos são o momento de leitura na hora de colocar para dormir, a construção de brinquedos como pipas, o tempo de qualidade no final de semana com passeios em parques, piqueniques ou visitas a museus, reuniões familiares para compartilhar histórias da infância dos pais e outros. “Tudo isso são ferramentas para tirar as crianças das telas, criar conexões, estimular o desenvolvimento das crianças e construir memórias afetivas”, finaliza a profissional.