O Brasil ainda acompanhava perplexo as notícias sobre o acidente aéreo que vitimou Marília Mendonça, na última sexta-feira (5), quando análises sobre a sua carreira começaram a pipocar na mídia. Uma delas, escrita por um historiador e publicada pela Folha de São Paulo no sábado, 6, gerou incontáveis críticas por chamar a sertaneja de “gordinha”, afirmar que ela “brigava com a balança” e informar que, após emagrecer, a cantora “se tornava também bela para o mercado”.
A revolta com a falta de sensibilidade do texto se somou à indignação com comentários de Luciano Huck no Caldeirão de domingo (7) a respeito do peso de Marília e da dupla Maiara e Maraísa. “Estava lembrando agora. Faz três semanas que eu estava com as três no palco. Três semanas. Na verdade, vieram só metade das três no palco, porque estavam as três magrinhas”, disse o apresentador. Na última segunda (8), foi a vez de Ana Maria Braga virar algo de desaprovação durante o Mais Você ao lamentar que Marília Mendonça tivesse se esforçado tanto para chegar a um “shape lindo” e ter morrido.
A gordofobia é um tipo de preconceito que vem sendo debatido há tempos nas redes sociais e ganhou escopo com a cobertura da morte de Marília Mendonça. Não foram poucas as mulheres que reclamaram do fato de a aparência feminina ser foco de escrutínio público - e cobrança por um padrão de corpo magro - até em meio à uma tragédia.
Estar mais magro ou com quilos extras muitas vezes atrai piadas, críticas e comentários constrangedores com um tom de cobrança. É comum, sobretudo nas redes sociais, esquecer que por trás de um corpo existe uma história. “A prática da gordofobia se dá à medida que, na sociedade, existe a tendência de a magreza ser sinônimo de saúde. Só que o peso das pessoas é responsabilidade apenas delas”, comenta Raquel Mello, psicóloga e especialista em terapia cognitiva-comportamental.
É preciso levar em conta o impacto que os xingamentos podem provocar na vida de alguém. “Vivemos na era da internet, mas os indivíduos não precisam se manifestar a todo momento. Não é obrigatório atacar as pessoas sem saber o que está se passando, e a aparência do outro só diz respeito a ele mesmo”, destaca Raquel.
Por que os homens não são tão cobrados pela aparência?
A gordofobia mira, sobretudo, nas mulheres. Além das cobranças excessivas em relação à aparência feminina, o machismo é um dos fatores que motiva esse preconceito direcionado. Dificilmente um artista do sexo masculino renderia os mesmo comentários ferinos e calcados em estereótipos que Marília Mendonça sofreu mesmo depois de morta. “No caso dos homens, a expectativa em relação à beleza é menor. A sociedade patriarcal e conservadora tende a observar no homem aspectos relacionados ao dinheiro e à força do trabalho. A estética, para eles, não é tão relevante”, explica ela.
Para uma mulher lidar bem com a autoestima - apesar da insistência na reprodução social de conceitos gordofóbicos - é preciso que parta dela mesma a desconstrução de padrões estabelecidos. Como? Se olhando mais, se aceitando, e claro, praticando o autoconhecimento. “ A questão da beleza vem se estruturando ao longo do tempo, mas ainda é um trabalho embrionário que tem tudo para evoluir. A cultura é formada por cada um de nós, logo, devagar ocorrerão mudanças pessoais que refletirão também na população. Assim será possível deixar alguns rótulos de lado e valorizar todos os inúmeros papéis exercidos pelas mulheres”, finaliza Raquel.
Fonte: Raquel Mello, psicoterapeuta clínica, especialista em terapia cognitiva- comportamental pelo CBI Miami e autora do e-book 50 exercícios para alívio da ansiedade.